sábado, 17 de março de 2012

ACORDÃO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO.


Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.183.378 - RS (2010/0036663-8)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : K R O
RECORRENTE : L P
ADVOGADO : GUSTAVO CARVALHO BERNARDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
EMENTA
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO
MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS.
1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM
PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO
IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL.
ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO
JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF.
1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do
direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a
evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da
constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ
analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a
Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado
um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o
Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de
uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei
uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF
n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código
Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele
excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo
como entidade familiar , entendida esta como sinônimo perfeito de
família .
3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase
do direito de família e, consequentemente, do casamento,
baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que
arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse
núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a
"especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988,
não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de
casamento, sempre considerado como via única para a
constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão
dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da
pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento
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- diferentemente do que ocorria com os diplomas superados -
deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as
famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da
proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito
maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável
dignidade.
4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição -
explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte
quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias
formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de
proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na
tradição e formadas por casais heteroafetivos.
5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas
famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção
do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial
proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em
casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado
melhor protege esse núcleo doméstico chamado família .
6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela
qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os
"arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de
ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar,
independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez
que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os
mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais
heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus
membros e o afeto.
7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser
diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida
independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito
à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o
direito à diferença . Conclusão diversa também não se mostra
consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o
princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é
importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se
faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir,
com escopo de constituir família, e desde esse momento a
Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela
forma em que se dará a união.
8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil
de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas
do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação
implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros
princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não
discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do
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pluralismo e livre planejamento familiar.
9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria,
mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo
"democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria
pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em
regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um
papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância,
exatamente por não ser compromissado com as maiorias
votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em
vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles
das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do
que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta
se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais,
mas de todos.
10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não
assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo
constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis,
não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de
aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático"
formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima
investigação acerca da universalização dos direitos civis.
11. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, rejeitou a questão de
ordem, suscitada pelo Sr. Ministro Marco Buzzi, para submeter o julgamento do feito à
Segunda Seção. Vencidos na questão de ordem os Srs. Ministros Marco Buzzi e Raul
Araújo.
No mérito, após o voto-vista do Ministro Marco Buzzi, dando provimento ao
recurso, acompanhando o Relator, e a retificação do voto do Sr. Ministro Raul Araujo,
para não conhecer do recurso, divergindo do Relator, a Turma, por maioria, deu
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Votou
vencido, no mérito, o Sr. Ministro Raul Araújo.
O Sr. Ministro Marco Buzzi (voto-vista), a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e
o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 25 de outubro de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
Relator
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