RESOLUÇÃO CFM Nº 2.013/2013
(Publicada no D.O.U. de 09 de maio de
2013, Seção I, p. 119)
Adota as normas éticas para a utilização
das técnicas
de reprodução assistida, anexas à presente
resolução,
como dispositivo deontológico a ser
seguido pelos
médicos e revoga a Resolução CFM nº
1.957/10.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das
atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957,
alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo
Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e Decreto n° 6.821, de 14 de
abril de 2009, e CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um
problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a
legitimidade do anseio de superá-la;
CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento
científico já permite solucionar vários casos de problemas de reprodução
humana;
CONSIDERANDO que o pleno do Supremo
Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 5.5.2011, reconheceu e
qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva (ADI 4.277 e
ADPF 132);
CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o
uso destas técnicas com os princípios da ética médica;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na
sessão plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 16 de abril
de 2013, RESOLVE:
Art. 1º Adotar as normas éticas para a
utilização das técnicas de reprodução assistida, anexas à presente
resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.
Art. 2º Revoga-se a Resolução CFM nº
1.957/10, publicada no D.O.U. de 6 de janeiro de 2011, Seção I, p. 79, e
demais disposições em contrário.
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na
data de sua publicação.
Brasília, 16 de abril de 2013.
ROBERTO LUIZ D’AVILA HENRIQUE BATISTA E
SILVA
Presidente Secretário-geralSGAS 915 Lote
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NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS
TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
I - PRINCÍPIOS GERAIS
1 - As técnicas de reprodução assistida
(RA) têm o papel de auxiliar a resolução dos problemas de reprodução
humana, facilitando o processo de procriação.
2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas
desde que exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em
risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente, e a idade
máxima das candidatas à gestação de RA é de 50 anos.
3 - O consentimento informado será
obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução
assistida. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias
da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como
os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta.
As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico,
ético e econômico. O documento de consentimento informado será elaborado
em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito,
das pessoas a serem submetidas às técnicas de reprodução assistida.
4 - As técnicas de RA não podem ser
aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de
cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho,
exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha
a nascer.
5 - É proibida a fecundação de oócitos
humanos, com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.
6 - O número máximo de oócitos e embriões
a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro.
Quanto ao número de embriões a serem transferidos faz-se as seguintes
recomendações: a) mulheres com até 35 anos: até 2 embriões; b) mulheres entre
36 e 39 anos: até 3 embriões; c) mulheres entre 40 e 50 anos: até 4 embriões;
d) nas situações de doação de óvulos e embriões, considera-se a idade da
doadora no momento da coleta dos óvulos.
7 - Em caso de gravidez múltipla,
decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de
procedimentos que visem a redução embrionária.
II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA
1 - Todas as pessoas capazes, que tenham
solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta
resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os
participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre
a mesma, de acordo com a legislação vigente.
2 - É permitido o uso das técnicas de RA
para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o
direito da objeção de consciência do médico.
III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU
SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA
As clínicas, centros ou serviços que
aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças
infectocontagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência
e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de
RA, devendo apresentar como requisitos mínimos:
1 - um diretor técnico responsável por
todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será,
obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de
sua jurisdição;
2 - um registro permanente (obtido por
meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das
gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém nascidos, provenientes
das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos
procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões;
3 -
um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o
material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas
de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças;
4 - Os registros deverão estar disponíveis
para fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina.
IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1 - A doação nunca terá caráter lucrativo
ou comercial.
2 - Os doadores não devem conhecer a
identidade dos receptores e vice-versa.
3 - A idade limite para a doação de
gametas é de 35 anos para a mulher e 50 anos para o homem.
4 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo
sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos
receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por
motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se
a identidade civil do doador.
5 - As clínicas, centros ou serviços que
empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados
clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de
material celular dos doadores, de acordo com a legislação vigente.
6 - Na região de localização da unidade, o
registro dos nascimentos evitará que um(a) doador(a) tenha produzido mais
que duas gestações de crianças de sexos diferentes, numa área de um milhão
de habitantes.
7 - A escolha dos doadores é de
responsabilidade da unidade. Dentro do possível, deverá garantir que o
doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima possibilidade
de compatibilidade com a receptora.
8 - Não será permitido ao médico
responsável pelas clínicas, unidades ou serviços, nem aos integrantes da
equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços, participarem como doadores
nos programas de RA.
9 - É permitida a doação voluntária de
gametas, bem como a situação identificada como doação compartilhada de
oócitos em RA, onde doadora e receptora, participando como portadoras de
problemas de reprodução, compartilham tanto do material biológico quanto dos
custos financeiros que envolvem o procedimento de RA. A doadora tem
preferência sobre o material biológico que será produzido.
V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1 - As clínicas, centros ou serviços podem
criopreservar espermatozoides, óvulos e embriões e tecidos gonádicos.
2 - O número total de embriões produzidos
em laboratório será comunicado aos pacientes, para que decidam quantos
embriões serão transferidos a fresco, devendo os excedentes, viáveis,
serem criopreservados.
3 - No momento da criopreservação os
pacientes devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que
será dado aos embriões criopreservados, quer em caso de divórcio, doenças
graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.
4 - Os embriões criopreservados com mais
de 5 (cinco) anos poderão ser descartados se esta for a vontade dos
pacientes, e não apenas para pesquisas de células-tronco, conforme
previsto na Lei de Biossegurança.
VI - DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTAÇÃO
DE EMBRIÕES
1 - As técnicas de RA podem ser utilizadas
acopladas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações
genéticas causadoras de doenças.
2 - As técnicas de RA também podem ser
utilizadas para tipagem do sistema HLA do embrião, com o intuito de
seleção de embriões HLA-compatíveis com algum filho(a) do casal já afetado
por doença, doença esta que tenha como modalidade de tratamento efetivo o
transplante de células-tronco ou de órgãos.
3 - O tempo máximo de desenvolvimento de
embriões "in vitro" será de 14 dias. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE
SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)
As clínicas, centros ou serviços de
reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação
identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema
médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso
de união homoafetiva.
1 - As doadoras temporárias do útero devem
pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o
quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia;
quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até
50 anos.
2 - A doação temporária do útero não
poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
3 - Nas clínicas de reprodução os
seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário do
paciente:
- Termo de Consentimento Informado
assinado pelos pacientes (pais genéticos) e pela doadora temporária do
útero, consignado. Obs.: gestação compartilhada entre homoafetivos onde
não existe infertilidade;
- relatório médico com o perfil
psicológico, atestando adequação clínica e emocional da doadora temporária
do útero;
- descrição pelo médico assistente,
pormenorizada e por escrito, dos aspectos médicos envolvendo todas as
circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA, com dados de caráter
biológico, jurídico, ético e econômico, bem como os resultados obtidos
naquela unidade de tratamento com a técnica proposta;
- contrato entre os pacientes (pais
genéticos) e a doadora temporária do útero (que recebeu o embrião em seu
útero e deu à luz), estabelecendo claramente a questão da filiação da
criança;
- os aspectos biopsicossociais envolvidos
no ciclo gravídico-puerperal;
- os riscos inerentes à maternidade;
- a impossibilidade de interrupção da
gravidez após iniciado o processo gestacional, salvo em casos previstos em
lei ou autorizados judicialmente;
- a garantia de tratamento e
acompanhamento médico, inclusive por equipes
multidisciplinares, se necessário, à mãe
que doará temporariamente o útero, até o puerpério;
- a garantia do registro civil da criança
pelos pacientes (pais genéticos), devendo esta documentação ser
providenciada durante a gravidez;
- se a doadora temporária do útero for
casada ou viver em união estável, deverá apresentar, por escrito, a
aprovação do cônjuge ou companheiro.
VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM
É possível desde que haja autorização
prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico
criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
IX - DISPOSIÇÃO FINAL
Casos de exceção, não previstos nesta
resolução, dependerão da autorização do Conselho Regional de Medicina.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM nº
2.013/13
No Brasil, até a presente data não há
legislação específica a respeito da reprodução assistida.
Transitam no Congresso Nacional, há anos,
diversos projetos a respeito do assunto, mas nenhum deles chegou a
termo.
Considerando as dificuldades relativas ao
assunto, o Conselho Federal de Medicina produziu uma resolução – Resolução
CFM nº 1.957/10 – orientadora dos médicos quanto às condutas a serem
adotadas diante dos problemas decorrentes da prática da reprodução
assistida, normatizando as condutas éticas a serem obedecidas no exercício
das técnicas de reprodução
assistida.
A Resolução CFM nº 1.957/10 mostrou-se
satisfatória e eficaz, balizando o controle dos processos de fertilização
assistida. No entanto, as mudanças sociais e a constante e rápida evolução
científica nessa área tornaram necessária a sua revisão.
Uma insistente e reiterada solicitação das
clínicas de fertilidade de todo o país foi a abordagem sobre o descarte de
embriões congelados, alguns até com mais de 20 (vinte) anos, em abandono e
entulhando os serviços. A comissão revisora observou que a Lei de Biossegurança
(Lei no 11.105/05), em seu artigo 5º, inciso II, já autorizava o descarte
de embriões congelados há 3 (três) anos, contados a partir da data do
congelamento, para uso em pesquisas sobre células- tronco. A proposta é
ampliar o prazo para 5 (cinco) anos, e não só para pesquisas sobre
células-tronco.
Outros fatores motivadores foram a falta
de limite de idade para o uso das técnicas e o excessivo número de
mulheres com baixa probabilidade de gravidez devido à idade, que necessitam
a recepção de óvulos doados.
Esses aspectos geraram dúvidas crescentes
oriundas dos Conselhos Regionais de Medicina, provocando a necessidade de
atualizações.
O somatório dos fatores acima citados foi
estudado pela comissão, em conjunto com representantes da Sociedade
Brasileira de Reprodução Assistida, da Federação Brasileira das Sociedades
de Ginecologia e Obstetrícia e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
e Sociedade Brasileira de Genética Médica, sob a coordenação do
conselheiro federal José Hiran da Silva Gallo.
Esta é a visão da comissão formada, que
trazemos à consideração do plenário do Conselho Federal de Medicina.
Brasília-DF, 16 de abril de 2013.
JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO
Coordenador da Comissão de Revisão da
Resolução CFM nº 1.358/92 – Reprodução Assistida